"A vida inteira fui barulhenta, ao ponto de me dizerem para calar a boca.
A única razão que eu tinha para isso era porque precisava gritar para ser ouvida na minha família.
Minha família? É, vocês leram certo. O lado da minha mãe é bem legal, a família do meu pai é a extravagância cantante, dançante musical, tudo musicalmente pirado.
Disseram-me que era dotada de uma bela voz, e acho que a culpa disso é do meu pai.
Ao contrário do meu pai, de sua criação e seus ascendentes, quero fazer alguma coisa com o talento com o qual fui “abençoada”.
Meu pai se contenta em cantar em voz alta em seu escritório e em vender janelas. Minha mãe, no entanto, é química. Ela é quieta, reservada.
Eu diria que minha vida escolar e boletins escolares estão cheio de “poderia fazer melhor” e “não aproveita seu potencial máximo”.
Quero ir para algum lugar em que possa ir até o meu limite e talvez mesmo além.
Cantar em aulas sem que me digam para calar a boca (desde que sejam aulas de canto).
Mas, principalmente, tenho um sonho de ser muito famosa. Trabalhar no palco. É uma ambição da vida inteira.
Quero que as pessoas ouçam a minha voz e simplesmente... esqueçam seus problemas durante cinco minutos.
Quero ser lembrada por ser uma atriz, uma cantora, por concertos repletos e shows lotados West End e na Broadway.
Por simplesmente ser... eu".
Isso foi o que escreveu Amy Jade Winehouse, uma menina judia de apenas 13 anos, ao entrar na Sylvia Young Theatre School, com o sonho de encantar o mundo. Todos os alunos, na verdade, tinham que fazer um curto ensaio e a pequena Amy escreveu praticamente um atestado, uma premonição.
Confesso que quando a vi pela primeira vez – foi num programa qualquer da MTV –, ela estava tinindo cantando pros quatro ventos que não iria de jeito nenhum para a reabilitação e não fui muito com a cara dela. Só que seu primeiro hit “Rehab” é impossível se tirar da cabeça. No, no, no. Não tente.
Eu diria que a diva era do que a música estava precisando. Ela é praticamente a Janis Joplin dos nossos tempos, o Kurt Cobain da música inglesa, afinal, pegaram carona com ela as cantoras Lily Allen e Adele, para citar apenas duas.
Mas o fato aqui é: há genialidade na música de Amy? Ou ela era só uma chorona, com letras melosas sobre relacionamentos? Creio que os dois. Ela foi acometida, em 2006, quando fez o play “Back to Black”, por um surto de iluminação. E como explicar se a música dela é realmente boa? Bem, o filósofo alemão Kant, se bem me recordo, falou em sua “Crítica da Razão Pura” que o que é belo é universalmente agradável, não importando o conceito.
O que quero dizer é que sempre vai haver comentários a favor da cantora, tentando fomentar o quanto seu som é bom e porque o é. Ele simplesmente o é. É elegante. Cheio de vida e tem grande capacidade de aceitação. (Até minha mãe gostou dela, apesar de ser a drogada que era.)
Com efeito, Amy tentou e conseguiu. Ela pôs um fim no preconceito de certa forma. Se fosse um integrante do Oasis no lugar dela, por exemplo, ninguém faria cara feia ou nenhum tipo de esgar de asco. Contudo, no caso dela: “Oh, lá vai a AMY, mais uma vez bêbada e drogada...” – mas o Ozzy Osbourne todo mundo gosta de ver doidão, flying high again and again.
Esse é o ponto. A cantora inglesa que nasceu num bairro ao norte de Londres, chamado Southgate, não era somente uma bêbada drogada miserável que dava manchetes em revistas sensacionalistas ou em portais de conglomerados fúteis.
Hoje, dia 14 de setembro, ela faria 28 anos, saindo assim do temido clube dos 27. Com essa idade, morreram diversos monstros do rock, com Jimi Hendrix, Kurt Cobain, Jim Morrinson, Janis Joplin, Robert Johnson e Brian Jones.
Se estivesse viva, ela lançaria já, já seu terceiro CD – o primeiro foi “Frank”, em 2003, referência clara ao seu mestre Sinatra. Amy também havia aceitado casar com o atual namorado, o cineasta Reg Treviss. A diva tinha decidido parar de beber, passando um tempo numa ilha, isolada também das drogas, só na base da água de coco e da rede entre coqueiros.
A família dela acredita que ela tenha morrido por ter tentando parar abruptamente de beber. A autópsia dos peritos e médicos legistas ainda não saiu – o resultado, só em outubro. E o grande culpado pelo abismo diante da cantora não foi ninguém senão seu ex, o ladrão de egos Blake Fielder-Civil, que a introduziu nas ditas “drogas pesadas”.
O pai de Amy, o taxista Mitchell Winehouse, e a mãe, a farmacêutica Janis, se separaram com a filha ainda pequena. E agora se veem diante de uma separação injusta: a pequena Amy sonhadora indo embora, da mesma forma que uma agulha tenta achar mais sulcos no vinil e não acha.
O que ficam são os cinco Grammy conquistados pela jovem cantora e mais de mil semanas no topo das paradas. Em todo o mundo, praticamente. O mais interessante é que Amy trouxe à tona todo o charme dos anos 1950 e 1960. Principalmente em seu look. Cabelos, roupas, tatuagens, olhar perdido e nervoso em direção do chão, sempre com um copo na mão. “Sempre que me sinto insegura, eu bebo. Muito. E eu sou muito insegura o tempo todo”, disse ela em sua biografia, escrita por Chas Newkey-Burden.
Pois bem. O álbum “Back to Black”, produzido por Mark Ronson, deixa o ouvinte arfante. De tão bom (imagine essa versão, que é deluxe). Se você abrir a mente, Amy pode entrar para nunca mais sair. É, a menininha que ganhou aos 13 uma guitarra Fender Stratocaster e tinha uma banda de brincadeira chamada Sweet’n’Sour conquistou o mundo. E deu a sua alma por isso no dia 23 de julho de 2011.